sexta-feira, 16 de março de 2012

Sobreluzes


Sem mais pensar, pôs-se à rua com seu tênis desamarrado e meia garrafa de gim. Sabia que não havia outra chance de se redimir pelos maus tratos feitos a si mesmo. Só a ideia que lhe fervilhava a cabeça se fazia salvadora de seus próprios delitos. Andou até o primeiro ponto e pegou o primeiro ônibus que apareceu. Saltou no centro, subiu à ponte, deu o último gole, atirou a garrafa aos carros e se atirou num voo cego. Não bateu as asas, não ligou as turbinas, simplesmente acreditou. Viu todas as luzes de natal que impregnavam a cidade, deu três gritos mudos e perdeu a consciência.



Por mais que tentasse, não conseguia imaginar como conseguiu aquele feito. “Super-Homem”, “Homem Pássaro” e “O Ícaro que deu certo” foram algumas alcunhas que recebeu dos habitantes. Saiu em revistas, jornais, sites de celebridades e nas redes sociais, ficou famoso e querido e aos poucos foi retomando o amargo que sentia no dia do gim. Tentou lembrar-se do que o fizera saltar, mas a única memória era do salto, das luzes e dos três gritos mudos. Quando percebeu os cadarços desamarrados, viu que seus pés estavam fora do chão, que sua cabeça pesava e sua boca amargava o gim. Um grito, uma freada de pneu e dois tiros o fizeram retomar a consciência. Chorava, gritava e não entendia como fora parar ali sobre aquela ponte. Apenas chorava e gritava: “consegui!”.

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