terça-feira, 27 de março de 2012

Estúpido Silêncio (ou ensaio sobre a mudez)

Tanta estupidez nos faz perceber que estamos vivos. Vivos para tentar consertar a situação. Com muito mais estupidez. A conclusão é que caminhamos para estupidez desmedida, que se perde de vista no campo árido do bom senso. Quem sabe um dia, usaremos toda nossa estupidez como combustível e salvaremos o mundo de práticas leves de estupidez barata?


Desde anteontem não sei o que é proferir uma palavra usando língua, lábios, cordas vocais e pulmões. Somente o som das teclas traduzem minhas palavras. Telefone desligado, campainha silenciosa, pizzaria com secretária eletrônica. E eu sou a definição estúpida de silêncio. Da forma mais comum, natural e sórdida dos tempos atuais.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Sobreluzes


Sem mais pensar, pôs-se à rua com seu tênis desamarrado e meia garrafa de gim. Sabia que não havia outra chance de se redimir pelos maus tratos feitos a si mesmo. Só a ideia que lhe fervilhava a cabeça se fazia salvadora de seus próprios delitos. Andou até o primeiro ponto e pegou o primeiro ônibus que apareceu. Saltou no centro, subiu à ponte, deu o último gole, atirou a garrafa aos carros e se atirou num voo cego. Não bateu as asas, não ligou as turbinas, simplesmente acreditou. Viu todas as luzes de natal que impregnavam a cidade, deu três gritos mudos e perdeu a consciência.



Por mais que tentasse, não conseguia imaginar como conseguiu aquele feito. “Super-Homem”, “Homem Pássaro” e “O Ícaro que deu certo” foram algumas alcunhas que recebeu dos habitantes. Saiu em revistas, jornais, sites de celebridades e nas redes sociais, ficou famoso e querido e aos poucos foi retomando o amargo que sentia no dia do gim. Tentou lembrar-se do que o fizera saltar, mas a única memória era do salto, das luzes e dos três gritos mudos. Quando percebeu os cadarços desamarrados, viu que seus pés estavam fora do chão, que sua cabeça pesava e sua boca amargava o gim. Um grito, uma freada de pneu e dois tiros o fizeram retomar a consciência. Chorava, gritava e não entendia como fora parar ali sobre aquela ponte. Apenas chorava e gritava: “consegui!”.